segunda-feira, 23 de agosto de 2010

FRESTA

Olhos em meu espelho me observaram
por horas a fio e cansaram.
Há neles a ausência de quem sabe não estar,
e a perspicácia de quem se esquece para notar
o que externamente a face não transparece.
Espelho, és minha imagem mais próxima e mentirosa,
posto que me invertes de todo. Me engano
como se tua imagem, ilusão poderosa,
fosse eu mesmo, devaneio puro e insano.
Queria de ti uma verdade liberta
da imagem que ironicamente contradizes,
posto que em mim ainda não está aberta
a porta dos olhos, tua gêmea de idênticas matrizes.
Queria quebrar-te mas temo quebrar
o que em mim resta como auto-consciência.
Preso, portanto, à uma camuflada demência
me perco ao perene te observar,
até que se ateie fogo ao que resta,
até que se vejam os olhos e sintam
que em si são tudo o que fitam
pela impossível fresta
que aos poucos se alarga no infinito.