segunda-feira, 30 de maio de 2011

CAUSA

Ligeiras, as asas do impossível elevam o nada,
enquanto o mesmo se faz lente de aumento
para um Sol gerando a luz, rebento
único, causa gerando causa em si mesma eternizada.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Dissonância

Triádico, o acorde se mensura em seu contexto,
sua função estabelecida pelo antes e o após,
sua direção perfeita é a cadência plagal e os nós
de sua junção com algum pretexto...
Três acordes impusionam o meu canto
simples "pai-filho-espírito-santo",
arquétipo geral de vibração etérea,
cuja tônica é a dominante da matéria...
De três partes se compõe a forma
que se reitera eternamente em minha mente,
cujo movimento é baile inconseqüente,
é luz que ao som é sombra ou norma...

Sou músico, minha obra divido
com o compositor ininteligível
que despeja em algo como o ouvido
essência a mim mesmo inatingível...
Enquanto brevemente a consonância
agrada a matéria de intelectual deleite,
a alma vibra única pedindo o enfeite
do cluster do Universo, essencial dissonância.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

CONTEMPLAR

Avaro, o contemplar em si mesmo se perde
enquanto das pedras da calçada brota um poema
difusamente, aos poucos espalhado pela sola blasfema
de quem passa o pisando, sem ter quem o herde.
Há em tudo um nexo de existir
proveniente da mesma oculta fonte,
ainda que a multidão da divisão aponte
o motivo e sentido contrários do velho elixir.
Cada pedra da calçada se faz mais filosofal
do que a filosofia distribuída avidamente
pelo puro se esganiçar da mente,
ausente de sua linguagem essencial;
é necessário contemplar libertamente
o quão pétrea é nossa estática visão,
para que se extinga a perene ilusão
de nosso conjecturar aparente...

Desse modo é possível que se enxergue
que o mundo eternamente pulsa,
e, independente de toda a multidão convulsa,
seu pulso não há quem postergue.
Pode-se chegar então ao momento
em que pedra, contemplação e pensamento
se chamem poema, luz, compreensão,
enquanto o dourado do Sol coroa a intuição.

terça-feira, 10 de maio de 2011

EVOÉ

Guarda a cruz que a manhã representa,
joga-te por sobre as fronteiras,
esquece o tempo que venta
adiante as palavras primeiras...
Cresce por sobre a infimidade
do deteriorar da rosa,
para que floresça tua humanidade
mesmo na secura, arenosa...
Navega com as velas acesas,
voa pelos olhos claros do mar
com asas transparentes, coesas,
porém livres como o próprio ar...
Fala às línguas todas o gosto
de ser engolido, de se fazer vomitar,
de ser morte para eternizar
tua identidade sem rosto...
Desenha na praia teu poema
quando o vulcão em erupção
for a própria convicção
da ausência de dilema...
Desliga a lâmpada elétrica
que choca a noturna beleza,
despreza a áurea tétrica
da artificial estética e sua avareza.
Desiluda a paixão avessa,
que é da morte a irmã morta,
com a pisada um tanto travessa
na armadilha que ao caçador corta.
Signifique apenas o que já não é,
as cores e formas dançando no fogo,
para que da vida ocorra o desafogo
na chama do vinho na taça, do grito primeiro... evoé!!!!!!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

ENFIM CONCRETO

Da vista que planou sobre o urbano complexo,
escorreu líquida solidão, silêncio exato, vivo.
Abandonado do ego o lado lascivo,
brotou a busca de um sonhado nexo
entre a projeção de porvires, torrencial,
e a concretude da verdade que se reconstrói
a cada retorno do ciclo, cronofágico, canibal
de si mesmo em sua doçura que corrói...
A cidade abaixo dos olhos fingia a morte
enquanto suas lâmpadas de artificial luz
serviam aos olhos como o capuz
a esconder a interna visão do quanto foi corte
a discrepância entre aindas e agoras
construídos, ambos, no decorrer das horas
em que, de fato, pouco se fez e nada existiu.
Houve então a imagem do que se retraiu
estampada na face da noite, na forma de chuva
esperando a própria queda, nuvem fadada
a ser ciclo, retorno em sua essência desvendada
pela vista que a si mesma turva
a planar sobre a pétrea curva
do tempo da cidade, chovendo cansada
o esplendor da ilusão abortada...