terça-feira, 3 de setembro de 2013

HINO A UM NOVO SÉCULO IGUAL

O caos
cai
sobre a pretensa organização
binária
dos bits.
O óbvio aos poucos
massacra as metáforas
(que agonizam na mente dos velhos
e, com eles, contrairão
núpcias além-túmulo.)
A superpopulação do infrapensamento
apaga do livro do homem
o Verbo e suas derivações,
fazendo da língua que resta
uma ogiva de sentidos
que cada vez menos significam.
O atestado de óbito da Arte
jaz enterrado na mente.
Nasce um novo século igual...
igual por amar a crise,
por fomentar a ruptura,
por expor novamente
o indivíduo ao seu próprio vazio
vendendo-o embalado
em sacos de plástico
de cores vibrantes
e biodegradáveis.
Nada de novo tempo!
Esqueçamos por ora
a Era de Aquário
que nos legaram os hippies.
O tempo não existe
como tudo o que é relativo.
Eu existo,
e quando o percebo,
me plenifico
e amo o absurdo
que são as horas,
enquanto a informação perpassa
os ares entre a terra
e os satélites,
apesar das sombras
do lixo espacial
a expor as sobras
do sagrado estado interior,
ora vendido nas fotos
das redes antissociais,
nas opiniões anônimas e desimportantes
de quem ecoa frases entre aspas
sem sequer saber mentir...
Na África, a fome é o marketing,
é o lucro hollywoodiano,
é o desvio de diamantes,
o entorpecimento dos sentidos,
é a infinidade de cultos deturpados
(tendo um Egito ao norte),
é o habitual desespero
da guerrilha
abaixo do sol.
Na América Latina
regozija-se a preguiça
com seu uniforme de trabalhador,
o pseudocomunismo,
a ausência de princípios,
o sexo e sua indústria,
o catolicismo fadado ao fracasso
pelos corpos vivos e inertes
de quem mente uma simplicidade
que não quer ter em si.
Na Europa
a podridão soberba
e determinista
de um povo bárbaro
e imoral
que mantém em suas construções
pedras angulares feitas
do ouro alheio,
a racionalidade pouco inteligente
e o medo do gesto, o medo do toque,
o medo de que se descubra a sujeira
de sua pele,
defendido com o argumento
da pretensa sujeira alheia.
Na América do Norte
a mentira da liberdade
pretende o controle de tudo,
gananciosamente vendendo
as vidas dos próprios americanos
por petróleo árabe, por urânio enriquecido,
por informações vis de incautos internautas;
a degradação de si mesmo
e o orgulho
de uma sombra
de um tempo anterior
que não existe
copulam com o caos que ainda cai...
Na Ásia, o inútil viés exotérico
vende nadas pelo mundo
enquanto se escravizam bilhões
por novos emaranhados
de fios elétricos mais sutis,
enquanto à deriva
dormem em gavetas
indivíduos austeros
e seus videogames
a parodiar a realidade...
Na Oceania
um resquício lemuriano
ainda finge que não existe
até que brevemente
 submergirá
sob o Oceano Pacífico,
esporte radical velado
por motivos ainda ocultos...
Me vejo sentado em uma pedra
(devo perguntar novamente
se a pedra sou eu?)
enquanto leio e assisto às notícias
que me conduzem ao medo do mundo.
Sou indiferente à crise econômica,
às questões políticas,
ao apocalipse pregado
pela televisão
em programas madrugueiros,
às teorias da conspiração
que conspiram em favor
da destruição de significados profundos
de infinitos símbolos de autor anônimo...
Músicas de sucesso
me enervam
nos Domingos cada vez mais inúteis
(o que se fez dos Sabbaths?),
enquanto os filósofos atuais
ainda se importam
em chamar de pós-moderna
essa atitude estática
em que me enquadro,
paródia perfeita
da maravilha de Basquiat,
da turba infernal das linhas
descontínuas
que são meu horizonte.
Leminskis e Shakespeares
são minhas noites ébrias
em que me expulso
para que o tempo passe,
ainda que não exista,
pois não faz diferença alguma.
Cães latem em minha madrugada
suburbana
humana
vazia,
enquanto passa o caminhão de lixo
que aos poucos acumula
o resto do consumo
em pilhas de venenos aterradas
em espaços abertos para todos verem,
para todos cheirarem
e apodrecerem gradativamente.
O caos que cai
assassina a beleza
com um beijo
enquanto minha inutilidade
me mantém deitado
pensando no fio de Ariane,
novelo impossível
e belo
tecido por parcas cegas
a formar mosaicos
anacrônicos.
O Cristo ri da minha cara
com razão
por detrás da redoma da noite.
A Lua crescente
mostra-me Seus dentes
como uma lente diminutiva.
O mundo trafega
e o novo século velho
novamente se apega
ao ego,
enquanto eu o reflito,
o imito,
tão filho que sou
dessa sequência de dias
a que se atribuíram números,
tão pai que sou
da velharia nua que produzirei
e vestirei com as roupas sintéticas
das palavras que manipulo,
tão espírito que sou
desta pedra que circunda o astro-rei
sem saber
até quando...

O zero e o um
são a nova
bomba atômica.
Que explodam.
Há de restar o nada.
A face de Deus,
como a de seu filho,

enfim, dando risada.