quarta-feira, 30 de março de 2011

EM MIM

Ilumina a tez de tua face
minha própria incerteza, escancarada.
Tua lógica interna sorri, velada,
do próprio oculto desenlace.
Perdido em meu próprio labirinto,
cujas paredes são teu sorriso,
parto para o ato conciso
de ser meu próprio instinto.
Falo tanto quanto calas,
mas és tu quem ecoa
enquanto a noite coa
minha teia de falas.
Ao enfim em ti poetizar,
minha mente segue viagem,
enquanto em meu olho tua imagem
conjuga o verbo luar.

segunda-feira, 28 de março de 2011

CHAVE

Cérebro, és o Cérbero de meu inferno
quando teu lado Orfeu se ausenta.
Quisera ter uma lira de som terno
para ludibriar tua fome, atenta.
Resgatar-te-ia do reino dos mortos
para que contemplasse os ortos
de dentro de ti mesmo, Universo.
Livrar-te-ia do olhar perverso,
que, ao te retrogradar o passo,
firma a ponta seca do compasso
de teu suicídio orgulhoso,
efeito de descrer em algo mais poderoso
do que a própria idéia de si.

Seríamos então um quadro impressionista
cuja tela se confundiria com seu chassi,
e cujo ponto de fuga de minha vista
seria o ponto alto de tua idéia.
Da justa morte de Medéia
ao último drama wagneriano,
extrairíamos a chave do que é humano,
feita para que se abrissem as portas
de todas as artérias aortas
rumo ao templo que em todos resplandece
como o único altar ao qual a alma desce.



sexta-feira, 25 de março de 2011

HOMO SAPIENS SAPIENS VISIBILIUM

Desenhadas tuas mãos nas cavernas
estavam há milênios quando surgiste,
no entanto hoje é que a linha triste
em tua palma atravanca tuas pernas.
Criação a criar o incrível
e insensível projeto de inexistência,
utilizando a fútil sapiência
daquele que sabe que sabe o visível.
Tens voz, e ela aumenta, em volume,
proporcionalmente inversa à luz.
A palavra é a máscara e o capuz
do que a covardia não assume.

Libertaram-se do acaso as palavras
que ressoaram pelas paredes.
São agora a terra em que lavras,
quadro e moldura do que cedes.
Refugia-se o som de tua voz
no oco de alguém que as retém,
extraíndo da língua, refém,
a persona do próprio algoz.
Delira em si mesma tua fome
de fim, rumo ao total novo fim,
descontínua linha que te descontinua e some,
ansiando o talvez e desprezando o sim...

És em si um anúncio ambulante
do apocalíptico paraíso
situado entre o quase juízo
e a morte do atual instante...



Nihil sub sole novum,
sapienti sat!

segunda-feira, 21 de março de 2011

RESSURRECTO

No espelho, meus olhos refletiam adeuses
com a luz do inexplicável desejo
de transformar o lampejo
em oferenda aos deuses...
Eis que me fui, obliquamente
vagando pelos retos caminhos,
óbvias rotas de andares sozinhos,
trilhados por olhos e pés concomitantemente.
Fui todo calos e pedras, mapas e retorno,
até notar o póstumo nascimento
do antigo e crucial momento
em que olhos no espelho e seus adornos
de luzes, lampejos, adeuses, finados em si próprios,
passageiros como o ópio dos ébrios,
tranformaram em começo o meu enfim chegar.
Refiz o refeito caminho isento da convexão
do espelho de minha parca reflexão,
corrigindo a tortura do tortuoso
e torto chão com um voar virtuoso...

Feliz, encontrei o nada ao pousar.

quarta-feira, 9 de março de 2011

KAHUNA

Tardo o toque do sino do Início,
vi que o fim era meu próprio começo.
Devorei a mim para inventar o avesso
do que em mim foi furor e vício.
Desfeita a treva encerrada na arca
que pulsava ardendo no altar do templo,
conheci a calma do que hoje contemplo,
indescritível chama que me marca.
Ouvi de um mestre que ainda me guia
que sou pra sempre mestre de quem guio,
preso pelo ausente fio esguio
que assegura minha própria trilogia.
Há ainda um resquício de não-ser
em que me perco em um não-eu que atua
em minha mente e desvirtua
os propósitos de conhecer,
porém sei que, vencida essa batalha
entre o não-eu e a existência pura,
haverá a diamantina essência que inaugura
o fio em que é tecida a malha
isenta de conflito
do véu do infinito.

domingo, 6 de março de 2011

MÁSCARA TRANSPARENTE

Carnaval, caíste como uma luva
para minha ausência,
neste dia em que a chuva
é a minha interior aparência.
Exponho minha verdadeira face
somente quando o disfarce
me impede de saber quem sou.
Se sou pirata que naufragou
ou poeta que se escondeu,
apenas mais um copo sabe;
então me sirvam antes que desabe
a água de algum céu que escureceu
cá dentro e se omitiu da fantasia
transformada em batucada,
na euforia desvairada
em que até a rosa cantaria
se não fosse o próprio enredo
da canção reproduzida
por multidões de uns sós sem medo
de entregar-se um dia à vida.

Carnaval, vieste com teu manto
de cor catártica e viva
cuja língua é um esperanto,
universalmente ativa,
ogiva que em meu núcleo se contrai,
explode em sons de tamborins
e reconstrói a cidade em que cai,
minha mente e seus inúteis fins...

para que enfim nasça a quarta-feira,
na qual as cinzas da fantasia derradeira
se convertam na fênix de mim mesmo
a explorar o firmamento que já conhece
desde o dia em que morreu.

quinta-feira, 3 de março de 2011

DE MIM A MIM

Me reconheço na Lua tardia e na madrugada silente,

na fronte da noite aberta como o livro escrito

pela mão invisivel, sempre presente,

no qual leio as frases do que não é dito.

Me disperso no momento em que a alvorada

traz à luz do dia o nada da matéria,

e no esplendor do Sol a luz encantada

e mal interpretada pela miséria....

Sou esfinge, reino de além mar, sou deserto....

sou quem finge a loucura, sou dois milhões....

sou a entrega do insignificante concreto...

sou o de repente atingindo a vida dos cordões

das romarias distantes de dentro de mim ,

buscando a fé ou a muleta....

sou por dentro a vendeta

que a mim mesmo preseva e mata, por fim....

Me reconheço no que não conheço,

e a cada dia me reconheço menos, para deixar de ser

e encontrar o Todo que me cabe...