segunda-feira, 23 de agosto de 2010

FRESTA

Olhos em meu espelho me observaram
por horas a fio e cansaram.
Há neles a ausência de quem sabe não estar,
e a perspicácia de quem se esquece para notar
o que externamente a face não transparece.
Espelho, és minha imagem mais próxima e mentirosa,
posto que me invertes de todo. Me engano
como se tua imagem, ilusão poderosa,
fosse eu mesmo, devaneio puro e insano.
Queria de ti uma verdade liberta
da imagem que ironicamente contradizes,
posto que em mim ainda não está aberta
a porta dos olhos, tua gêmea de idênticas matrizes.
Queria quebrar-te mas temo quebrar
o que em mim resta como auto-consciência.
Preso, portanto, à uma camuflada demência
me perco ao perene te observar,
até que se ateie fogo ao que resta,
até que se vejam os olhos e sintam
que em si são tudo o que fitam
pela impossível fresta
que aos poucos se alarga no infinito.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

À GUARATINGUETÁ

Assim que amaneceu o dia, o sono me arrebatou.
A madrugada foi repleta dessas estrelas do interior
que não se ve nas grandes cidades, e o calor,
tão inusitado, por muito pouco nao me matou.
Vejo ao longe uma igrejinha qualquer
em sua bela simplicidade,
e todo o movimento desta cidade,
de quem se move, mas não quer.
Me afeiçoo a cada momento em que vivo
nesse espaço, em que a simplicidade
tiraria uma onda com qualquer vaidade
dos doutos com os quais por vezes convivo.
Compreendo uma das portas do sentido da vida,
a da beleza da observação do corriqueiro,
que por vezes fugia ao meu olhar primeiro
em meio à vida curitibana, agora tão corrida.
Busco apenas no momento fingir dormir,
para que meu ouvido atente ao silêncio puro,
até que chege o momento fatídico, duro,
em que de repente me deparo com o ir...

domingo, 18 de julho de 2010

À UMA MUSA

À noite me anoiteço imerso em reflexões
sobre o que ocorrerá. Tenho consciência
do Sol que circundo, entre devaneios e paixões,
entre a afoitez e a paciência...

Há brisa na janela em que a bela
face dela contempla o infinito.
Demoradamete me perco, aflito,
nos pensamentos dela...
de cada traço de seu rosto
retiro um milhão de dizeres
que não traduzo, sem poderes;
sou a estátua em que eu mesmo me encosto.
Percebo a relatividade do existir,
mergulho em seu olhos e, no salto,
me dirijo direto para o alto,
para enfim, talvez, certamente sentir...
Sei que há algo, decerto contido,
que ela traz em cada sorriso lido
pelos olhos de um sonhador, que sou eu.
Percebo que a Lua que me envolve não morreu...
Percebo que o tempo, que na janela dela chove,
em minha alma enfim floresceu,
e quer que do Sol e da flor eu prove.

terça-feira, 13 de julho de 2010

TEMPLO

Baixei a pena por tempo indefinido,
as palavras se encarceraram no nó da garganta.
Conheci um desconhecimento que me espanta,
o de mim mesmo, em meu cárcere, contido.
Enquanto a cidade se move com suas luzes e pesares,
paro em mim e vejo o tempo que me move.
O tempo fora é como espelho: chove,
O tempo dentro é como um templo de olhares.

A rua se apresenta aos meus pés como consolação
ao meu parado centro que se engana
a cada trama que teço em minha gana
de esquecer que sou um ser de ação.
Enquanto ando sou todo olhos nos pés
e meu olhar unicamente anda.
No meu templo, a energia é branda
busca apenas as respostas e os cafés.
A paisagem é vista pelo coração,
que certamente ama a cidade em que vaga,
em especial quando o Sol apaga,
e as luzes são calma solidão.
No templo o tempo passa calmo,
e enquanto todos dormem, há reflexão,
há mundos inteiros de imaginação,
e de realidade, só um palmo...
Eis que desse palmo encontro a palma
da mão que ao violão recorre, sorrateira,
recorre a eterna inspiração primeira
de musicalizar a minha alma...
Enfim do olhar que vejo,
resta apenas o momento analítico,
o último olhar, crítico,
aponta a direção do que desejo.

Do cárecere contemplo o templo
e dele me liberto, certo
de que o templo não é cárcere,
e de que o cárcere não é templo.

sábado, 3 de abril de 2010

.

O ponto final discorre sobre a existência
do Universo.

DODECAFONIA

Uma composição dodecafônica caótica
balança as moléculas do ar
até então parado da sala de estar,
sua impressão expressa além da lei da ótica...
A luz está apagada, e na penumbra
vejo minha mão tocando a tecla
do piano, meu assecla
nesse crime em criação que a noite alumbra.
Crio o caos no som da sala
descriando a criação da escala
e descendendo à multiplicidade humana,
que, de tão complexa, chega a ser profana.
Teu ouvido então acorda o olho,
que fechado se cerrava, encerrado
na perfeição de dentro, livre e encarcerado
na visão dos próprios chave e ferrolho.
Comunico pela música o que o mundo
lhe trará de incoerente, de maldoso,
e do sonho que sonhavas, glorioso,
te desperto a esse irreal imundo.
Creias que também no caos há DOZE notas,
e que o real é mais do que esses sons dispersos
pelo ar da sala, inonscientes, sumbersos,
cruas verdades vestidas de anedotas...

sexta-feira, 19 de março de 2010

FRONTE

Na fronte do dia um confronto direto
com a noite que subsidia o existir sobre o teto
negro da noite que me afaga,
me sustenta e me apaga.
Na fonte do ócio se bebe o vício
sob a forma do auto-sacrifício,
enquanto os santos virtuosos
dormem a noite em círculos luminosos.
Surpreendo o concreto do chão
forrado de negro e de não,
dizendo-me enfim que o ardor
que me move é sem cor.
Convenço o concreto constante
que sua natureza é de chão
pra que cada cansado passante
passe por ele, então.
O concreto que não sonha, mas fala,
me conta que pelo sonho resvala
e volta pro seu negro não ,
desacreditando a visão
de que o sonho em concreto
ainda existe em discreto
em resistência ao bordão
da falta do concreto de visão.
Piso pois, sobre o concreto
que me conduz e limita o caminho,
e eis que sigo sozinho
em direção à minha fronte, confronto direto.

A rua é espelho de mim, que espelho
o lugar de onde vim, que espelha
o concreto real e eterno do velho
que mais novo sempre existiu,
é o todo... e sumiu

terça-feira, 9 de março de 2010

PENSATIVO

A grande cidade se engrandece e se ausenta
quando sumo por suas vielas,
na quase noite que se apresenta
na luz indecisa das janelas.
Nos rostos de cada passante
o reflexo da vida que passou
se faz presente, falante,
enquanto observo parado o que não sou...
Conscientes de sua ciência,
passam os cérebros inconscientes
de si, reticentes como a demência,
com suas frases veementes,
com seus olhares descrentes,
seus viveres inconstantes...
Seus fardos importantes
são pesos inúteis e evidentes.

Observo apenas o que dentro vejo
e externamente projeto.
De tudo, o único saber concreto
é que observo o que sou e não o que desejo.
Enquanto não desperto
os passantes que adormecem,
meus anseios se arrefecem,
mortos por um ego encoberto.
Sou cada passante, inconstante,
evidente, pesadamente inconsciente
da reticente falta de ser vivente
e pensativo, ao invés de pensante.

quinta-feira, 4 de março de 2010

TOTEM

Em minha parca idéia de subexistir
em torno a todo o lixo de mim mesmo,
me entrego ao desinsistir,
negando e fugindo a esmo...
Minha poesia tem sido ridícula,
minha vontade é minada
por uma vaidade contaminada
em que a razão especula
se existe como meio ou como fim.

Sinto no peito uma explosão
que contenho como quem nega
um crime, como quem não se entrega.
De poeta só tenho a intenção
nesta época de hoje em que a escrotice
é maior do que a alma, e a idiotice
é atribuir ao escroto a razão.
Me perco e não me encontro
em nada e em lugar nenhum,
e aquele sentimento de que tudo é Um
se perde em meu próprio desencontro.

Seguro um grito, uma expressão, um gesto,
com a força de quem domina um titã
não me sou mais, sou escrita vã,
sou exatamente tudo o que contesto.
Talvez no fundo acredite
que Deus haverá de me salvar
pra que eu possa enfim cantar
pra alguma platéia que me credite.
Meu ego é cretino, certamente
mais do que o maior demente,
menos do que o menor inconsciente
e não me leva a nada pensar,
e meu agir é apenas divagar sobre o nada
que não se viu e o todo que não experimentei.

Com o tempo vou crendo que me detesto
e faço a mim mesmo um protesto:
Volta talvez pro teu sono infértil
de quem se julga grande e seja feliz
com a beleza da ponta de teu nariz.
Se esqueça dos sonhos que se erguem
sobre totens majestosos e se perdem
num simples resvalar em sua base...
Não seja o totem que sustenta
sonho outro de alguem qualquer,
pois uma hora o peito arrebenta,
uma hora arrebentar ele quer....
Te encontre e basta que isso te baste
não se impressione com o embate,
não tema a desilusão
não fale mais que a ação,
não sejas o que estás,
seu covarde!!!!!

segunda-feira, 1 de março de 2010

do Leste

O começo da noite em seu despertar
sugere a iluminação do interno, a buscar.
A linguagem de cada noturna visão é lembrar
a qualquer indivíduo que há luz em certo lugar
e que mesmo longínqua, inalcançável
se faz visível mesmo que tenha deixado de ser...



Cada ser vivo que vaga sob a Lua,
pela estrada errante da noite nua
se reconhece pelo andar atento
e pelo verbo lento
de quem não tem pressa de que a noite acabe.
A noite é um ente vivo, que ensina e subverte,
vive e morre ao passo que se inverte
em sua própria natureza, a de inversão de algo,
cumprindo ao papel que lhe cabe.



Na noite em que descansam os corações cansados,
brotam de cada viela as incertezas e as dores,
os amores escondidos, as flores dos velados,
a visão do que a luz do sol esconde, os clamores,
as rezas aos santos, a magia noturna, os nascimentos,
os suicídios, os entendimentos e os entediamentos
do ego que se ilumina para que sobreviva sem a luz
que os olhos enxergam. Se há vinho, houve a água
que o mar movimenta nos olhos que se cansam
de ver o que não lhes conduz ao sentido vertical de ser.



Enfim, quando do Leste surge aos olhos a chama
da vida que chama, dá-se as costas aos pontos
distantes de luminosidade, e aprende aquele que ama
que a luz mais próxima não gera confrontos,
o Sol não se explica quando nasce, ilumina
a lágrima dos olhos, na menina,
e ensina o noturno e o poeta
a ver seu próprio sono,
fútil abandono...

A noite
se faz dia
somente quando o dia
nunca mais for noite,

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Estudantes

Vejo os estudantes em massa
descendo as escadas do colégio,
eis que sinto o tempo que passa
no mais profundo sacrilégio...

Todos sonhos e desejos,
tão úteis e tão passageiros
que amanhã se modificam
os dizeres primeiros.

Um passo à frente, estudantes!!
Sejam o amanhã e o ontem,
e quando puderem me contem
a cor dos mares de antes
e da humanidade de depois...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

RETORNO

"No passo solitário de retorno pra casa,
pela noite deserta do bairro suburbano,
penso e sinto tudo o quanto passo,
e o passo mole da noite abre a minha asa...
Ouço um samba qualquer e sorrio
ao lembrar da amada que me sorri
quando tento o passo desajeitado
do samba dobrado, cansado, suado
de tanto fabricar a alegria que some por vezes.
Sorrio de mim, sigo o meu passo
e esqueço o cansaço.
Os olhos da amada são a noite
e a saudade, sereno açoite
que vem devagar e me toma por completo...
sorrio das lembranças, exceto
as que marcaram demais
o pulsar da canção, e a fizeram morrer...
O samba dá lugar ao blues
e me entrego à entrega, sem medo
e sem culpa... o refrão me arrepia
até de manhã cedo, e o enredo
se torna o compasso do peito
aberto, desfeito...
lembro da amada e me arrepio
ao imaginá-la dormindo,
e, de novo sorrindo, abro a porta
e procuro o violão..."