quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A POESIA DESPIDA III


Meus signos dançam,
meu sentido segue,
meus neurônios cansam

Ainda que se pregue

a verdade na parede
ela baila como signo
de algo incerto sempre...

Minha voz desenha

o que minha letra soa,
e chama de poema,
fazendo dessa inerte arte
um obscuro diadema
coroando cada parte
dessa rima à toa 
que me resenha.

A poesia mente

porque veste
com sua face risonha
o lugar agreste
da palavra...

e quando despe

o desespero cru
de existir falando,
é ela que se torna nua,
caveira que sugere o humano..

domingo, 9 de dezembro de 2012

ORAÇÃO

Falam-me continuamente sobre Deus,
querendo que eu creia Nele
como creio em minha pele,
em meus olhos ou qualquer dos versos meus.
Dizem que Cristo me salvou,
que há de se atingir o nirvana,
que há em toda existência humana
algo que d'Ele emanou.
Creem que preciso de oração,
que preciso de luminosidade,
que conto com a proteção 
de Sua divindade.

Fico em silêncio, mas não medito,
sigo simplesmente,
enquanto em minha pele sinto
minha interna comunicação,
enquanto meu ato é minha oração,
enquanto o nirvana é constante,
desde que, obviamente,
meu silêncio se levante
para que eu me oriente.

A voz de meus irmãos
se perde no eco de seu passado
até morrer na era medieval...

OBSSESSÕES

Quero palavras, verbos, locuções
que tornem audível a minha loucura
de transformar os sons que a mente apura
em obsessões...


segunda-feira, 27 de agosto de 2012

LEVIATÃ

A água escorre pela rodovia,
e, com ela, minha percepção
fugidia, escorregadia...

No bueiro da memória,
escondido e em movimento,
se manifesta o ido de minha história...

Ratos e baratas infectos
tramam sua revolução
por dentro de meus dutos...

Astutos, os enteais de meu pensamento
navegam em meu interior
sem qualquer pudor, a todo momento...

... para no fim afogarem-se no mar
em que o leviatã de minha alma
os engole sem luto, sem perdão, sem penar...

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

CÍCLICO...

Foge à minha percepção
    o último traço
de minha contração...

Vestido da intenção
   que continuamente despedaço
surjo frente à minha ilusão.

Através de um primevo traço
   desapareço na emanação,
Quando ao fim e ao começo enlaço...

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

AURORA

 Sobram ruídos no espaço,
não há som...

Diz-se que há dom,
mas só ruído sobra
      do que não há no espaço.
No não-ser me desfaço
    qual isento eon....

Sobram                 ruídos sem tempo,
alturas se confundem                      em seu tropeço...
                          rio sem fim ou começo
branco sinal intangível
                                                                          contemplo...

Todo ouvidos observo
essa sinestesia sem sentido,
segurando águas sem mãos, comedido,
para sumir nessa complexa ausência
em que cores cantam motetes a mil vozes
e as vozes aplaudem o silêncio da libido
sentido pelo sentido quando absorve
a própria incoerência existencial.

É enfim a hora,
em fim:     silêncio
em mim:               aurora

quinta-feira, 26 de abril de 2012

ESCRITÓRIO

Aderi à estagnação, por exercício...
Após tanta crítica às rochas,
apaguei da ação as minhas tochas
e resolvi sentir na pele um novo vício...
Dias espelharam dias, que espelharam eternidades
no momento em que fui puro reflexo,
ausentado do prumo e do nexo
de minhas cinqüenta severidades.
A íngua do poema escondeu-se
debaixo do assento em que repouso,
e o máximo que ora ouso
é esperar como se torcesse,
sem chutar a gol, sem drible bem dado...
e eis que meu instinto foi remediado.

Agora, senhores, vago
de espectador a espectro, e me apago.
Existir e acaso são irmãos,
interagindo em mensagens criptografadas
pelos caminhos de minha mãos.
Não há mais mensagens reveladas.

Afinal de contas, parar,
esquecer-se
não é nada mais do que delirar,
loucomover-se...

sexta-feira, 20 de abril de 2012

QUEDA

Caí.

Caim matou Abel
no instante em que me vi.
Proferi então minha primeira palavra.

segunda-feira, 12 de março de 2012

HOMO SAPIENS SAPIENS VISIBILIUM II

O horizonte se enegrece em plena manhã,
os  caburadores se comunicam por sinais de fumaça.
Observo de longe a linha de uma desgraça
que se projeta lentamente e sem qualquer afã...
Mal desperto em um roto trajeto,
observo no asfalto mil ruas sobrepostas.
Outroras submersos em vias dispostas
uma sobre a não-outra formam um único e disforme objeto.
O caminho reflete o caminhante.
A caótica estrada é o retrato exato
dessa pseudo-vida, travestida de fato,
em que se perde cada motorista errante.

Sob a sombra dos arranha-céus,
poucos raios solares descortinam os véus
de uma diversidade incompleta,
de uma vacuidade existencial repleta
daqueles momentos que existem para serem esquecidos,
daqueles impactos levemente sentidos,
escondidos em algum lugar da consciência,
comandos binários da atual inteligência
implantados em nossos olhos, mentes e ouvidos...

Quantas milhões de vias-crucis há de haver
dentro das lojas e dos escritórios
cujos juros e valor futuro são o obituário
fútil e arbitrário da consciência de ser?
Quantos infinitos vagabundos serão projetados
da luz da indumentária insana
que retira do homem qualquer gana
ao enforcar-lhe qual golpe friamente arquitetado?
Quantos inúteis versos de sombras de artistas
berrando esse vazio continuado
serão em série distribuídos nas pistas
em que dança o engano, de beleza camuflado?

A resposta, senhoras e senhores, ecoará eternamente,
no fundo dos ouvidos de quem ouve.
Será óbvia quando, fora do tempo, finalmente,
se observar que o que se crê que existe
jamais houve....

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

EMBARCAÇÃO

Ventaniava em mim, displicente,              
      o desejo de calar    a forma.                                                                                                                            
              Era de uma desordem ainda inocente
o vento que ainda hoje me deforma.
         Afirmativo, o ar se fez ao meu nariz engodo.
                Enquanto pude ser veleiro, o fiz,
crente de que meu caos era a matriz
              do mastro de minha embarcação de lodo...
Sem lótus, fui também o lago
           em que submergiu meu continente,
retiro de minha arca subconsciente
                         que ainda tranco, venero,
apago...

Corsariamente busco a chave do umbral
que se chama arca, que se chama chama,
em busca do naufragado elo natural,
entre lodo, nau e forma...

Entre o mar e o sal,
meu ouro apenas se conforma...

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

?

Eram esquinas, pontos zero, de infinitos planos,
todos cartesianos...
eram numéricas insinuações de incógnitos poemas,
eram a palavra sem a função de tornar-lhes humanos...
Eram estados, eram estáticos,
iludidos pelo espelhado véu mágico da multidão...
Eram o básico, sopro de ausência dotado de reflexiva distinção...                                                      
eram a loucura sem status de cura, eram a pura imaginação...
Eram disformes certezas, fissuras, eram um lago de pura intenção,
ainda que não houvesse pulmão para o incerto ato da submersão...                                                  
eram delírios em branco e preto, eram a voz de quem lê um desfecho,
silente em virtude da própria tensão em que enfim se recicla o eterno enredo...
No princípio era o verbo...  e no fim...
interrogação.....

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ALTAR

Uma teia de fiapos de luz transparente
é tecida a partir do centro da edificação...
Nela não há qualquer indício de solificação,
apenas é, e é luz, e não mente.
Aos poucos se ramificam os caminhos
que a patir desse centro se espalham,
criando a ilusão de que retalham
qualquer coisa que não os seja, num complexo de desalinhos...
Aos poucos se percebe a arquitetura
de uma cidade ainda esboçada,
escrita em entrelinhas, projetada
pela percepção de quem da sombra enxerga, ainda escura...


É quando as imagens já não se destinguem
e o que é embaixo reflete o que é no alto.
Do plano da cidade se ergue o planalto,
para que a árvore e os frutos da verdade vinguem...


Esse altar, aos poucos, torna-se edificação,
protegendo a nova luz da velha dualidade,
fazendo com que a compreensão, à guisa de cidade,
abrigue em si milhões de aspectos da mesma Unidade,
recriando o tempo em forma de canção.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

É NOITE II

Eis a parca parte da cidade que sobrevive enquanto os homens dormem,
a luz humana e anti-humana que ainda sobrevive enquanto todos fingimos que morremos...
              o momento exato em que pulsa o coração de asfalto da cidade
em olhos multicolores,  versicolores como qualquer anseio,
                    versicolores como todas as dores de todos os que dormem e sonham
com aquilo que não acontece...
                           aquilo que some como cinema nas telas das pálpebras dos seres,
que sobrevive como se morresse a cada dia.
             A cidade é um ente vivo e pulsam suas cores,
repulsam a lógica e os amores
           até o momento em que tudo cala, em que tudo se abstém,
e há somente os ruídos dos animais,
                os animais de metal cujas rodas voam
por cima dos cadáveres dos sonhos que ora adormecem....

domingo, 8 de janeiro de 2012

SOPHIA

Enquanto se filosofa sobre mil verdades universais,
o tempo sente prazer em se esgotar,
em ver no traço da própria língua aquele esgar
que o prisioneiro do tempo carrega no riso e nos ais...
Pensar é agir, de fato, a ciência comprova...
no entanto é preciso exercício, iluminação,
não como aquela passiva, que permeia a imaginação,
mas aquela que busca a luz e se auto-renova...
Até que o mais incrível se manifeste, antes que se morra...
o fato parecemos à parte do Incógnito é ilusão,
somos cada vez mais deuses à medida que a atenção
nos mostra que fora e dentro são a mesma masmorra,
porém um aprisiona na cela da turba, é incompreensão,
o outro esconde sagrado deleite, a revelação
de que cada movimento representa a manifestação
do que acima se projeta, pura emanação,
ainda que Sophia mantenha suas pálpebras fechadas e somente sonhe
com a próxima revelação...

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

CIRCUMPUNCTUS

Estou em mim ou estou?
O ponto permeia o círculo
mantendo um poderoso vínculo
entre o quase nada e o todo que restou...
Não se sabe se olho, sol e rosa
já não são a mesma palavra
escrita com a mão mais poderosa,
a que, ainda que não vista, o todo lavra...

Se em mim o círculo traduz
aquilo que se manifesta de perfeito,
o ponto é o motivo que reluz
na obviedade do meu ser, rarefeito...
De ponto e círculo de mim
é feito o Sol que a mim governa,
despontando enfim a relação terna
entre a luz e o olhar, entre a mão e o sim
avalizados por um algo mais
que transcende ao próprio ponto
no qual círculo e ponto se tornam mais um conto
para aquele que se despiu da idéia de "jamais"...