sábado, 30 de abril de 2011

CALAR

Calar é a maior expressão da linguagem.
É se ausentar da mentirosa miragem
de que de fato com vento e tinta se diz
algo que pertina, esse desenho de giz
ainda primário, frágil imagem embaçada
pela turba que o cérebro provoca
e a emoção convoca.

A palavra é simples sombra lançada,
líquida em sua inútil forma,
tosca comparação que deforma
a realidade da expressão pura.
É antítese da linguagem,
síntese do atraso humano,
prisioneira do esgar craniano
da condição nossa de criatura
criando seu mundo de nadas...
Calar
      é
        aprofundar
              a      fala
                        como escada
                               que desce
                                        ao profundo silêncio
                                                         que exala
                                                                    da Linguagem.

terça-feira, 26 de abril de 2011

MAJESTADE

Quis por um momento o querer de fato
e se lançou como de pára-quedas
à linguagem do puro abstrato,
curado de ser as próprias emendas.
Voltou-se para o firmamento
e para lá caiu, real,
trocando o abismal
momento de ser momento
pela suave distinção de ser coisa alguma
e planar sob a cabeça do rebento
do Universo, velhote que ao próprio fim consuma...

Quis o instante sem instante
de se saber a própria nudez
ausente do pudor delirante,
transfigurada em ouro sua tez.
Da vontade foi imagem, e se fez
explosão de galáxias, enormidade.
Satisfeito, de pronto se desfez,
provando enfim o Ser; majestade...

sábado, 23 de abril de 2011

ALTURAS

Sim, foi pouco a mais do que leve
expressão do íntimo, foi ínfimo o eu
quando vi o abismo que em mim morreu
percorrendo o anti-abismo que descreve
o exato sentido da plenitude.
Assombrosa foi a visão de que o mundo
é assim tão nada, amorfo em sua inquietude
vista à distância, neófito senhor de suas próprias sendas....

Foi pouco mais que desapego
mútuo entre homem e montanha,
pedras ambos, de identificação tamanha
que em seu diálogo há o puro aconchego,
disfarçado pelas pétreas formas

leves como o nada puro,
que em ambos mascaram almas
ausentes da ausência do escuro.....

Foi liberta a visão a notar
que há sempre um novo pico,
acima do que versifico...
há sempre o caminho a galgar
acima, avante e adentro,
e, no alto centro,
única realidade a se auto-escalar...

terça-feira, 19 de abril de 2011

DEPOIS

Gera-se do acúmulo das visões
o cadeidoscópio que define o lógico.
Figuram por dentro do imagético
os nuances e as impressões
que desfiguram a concretude
de um alento além da cor
que se percebe no dissabor
de se notar imagem da vicissitude.

Há na perfeição a ausência
de tudo o que não a seja,
para que a si mesma veja
e se reflita, resplandecência.
Sábia suprema em sua imagem,
não refuta o caleidoscopiar
das mentes a rodopiar
em torno de sua ausente personagem.

Sabe que, das cores do alento que exala,
a branca matiz de sua máscara nenhuma
se faz reunião de seus olhares, pluma
com a qual o nada o nome assinala.
Expulsas as visões acumuladas, pois,
encontra-se um nome registrado
em linguagem sem passado,
perene reviver da experiência do depois.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

SÍMBOLOS

Símbolos se movem, continuamente,
e em seu percalço, continua a mente
a devorar a si mesma, qual eternidade
aprisionada pelo mito da vaidade.
Me percebo como símbolo
ao passo que me fragmento,
e, em pedaços, insisto no tormento
até pagar o velho óbolo,
obscuramente retirado da vista.
Inquietamente reduzido
a um panteão de imagens que de mim dista,
me sinto essencialmente um idioma perdido.
Com espanto, noto que produzo
os próprios elementos aos quais me reduzo,
percebendo que, enquanto digo, sumo,
e que a arte é ser de si o resumo... 



Oscilo de uma luz vaga
ao passo que adianto
a reflexão do espanto
com uma vela que se apaga...

terça-feira, 12 de abril de 2011

O INICIADO

O iniciado se arremessou pra fora
do novo círculo instaurado,
qual reincidente iniciante, restaurado,
da própria vida de outrora.
O círculo foi nada, visto então do lugar
Em que o velho lado do iniciado
abriu então sua arca, já cansado,
para o seu próprio novo lado iniciar.
Ausentaram-se arca, espírito e o algo circular
que delimita um existir despido,
e o início, ainda constrangido,
viu a si mesmo tentando retornar...

Foi então múltiplo, indivíduo,
homem-deus em sem-fins de humanos
crendo, cegos, no passar dos anos.
tragando a si mesmos até o último resíduo...

Antes fosse o iniciado um fim,
Deus em si, sem autoconsciência,
homem liberto da própria imagem.
Antes fosse o iniciado o inicial
Maestro da recriação...

quinta-feira, 7 de abril de 2011

REENCARNAÇÕES

Disse, e foi somente...
não houve além, ontem
se foi para onde vêm
todos os lados da mente.

Somente não houve além,
ontem, se foi.
Para onde vão
todos os lados da mente?

Somente disse, e foi...
ontem não houve além,
foi para onde se vão
todos os lados da mente.

E foi, houve além,
para onde os lados,
(todos não!) vêm,
da Mente, disse, somente.

E foi para todos,
os lados da mente
vêm além, somente.
Não disse....

domingo, 3 de abril de 2011

ALGUM

Procuro intensamente um algum-lugar,
pois reconheço em mim a marca desse lugar-algum.
Intenso se faz o vagaroso vagar
em torno de um nada que se fez um.
Formas de algum-sonho difuso no ar
projetam esse sonho-algum em minha pedra angular,
ausência plena de estado retilíneo
cravada no âmago de algum interior declínio.
Escrevo algum-poema cuja rima morta
fertiliza um poema-algum com a própria morte,
hifenizando a dor onde houve corte
do real sentido. Como chave, abrando a porta...
Algum-momento há de surgir no tempo-espaço,
em que momento-algum seja a diferença
entre aquilo que, sendo, foi e será, sem desavença
entre mente, corpo, alma e o sutil traço
em que algum-alguém iniciou sua arquitetura
para que alguém-algum atingisse a sua altura
sendo o algo todo, lançado ao algo Algum...