terça-feira, 21 de junho de 2011

CIDADE

Assim que se aquietar a maré, dentro,
haverá Copacabana em meio à turba curitibana.
Assim que de fato houver em mim um centro,
caminharei no centro, ausente de minha imagem, insana...
Assimilo o que assino e assinalo, robótico,
enquanto a paisagem em meu plano óptico
é infame espelho a refletir a anti-luz ainda cá dentro,
caverna em que, hipnotizado, entro.
Ao passo que ando o passo some,
não percebo nada além da cegueira
que me conduz à rua dianteira,
repleta dos passados de mim mesmo em cada nome,
em cada faixa, em cada buzina que não noto,
em cada distância, em cada comprimento,
em cada silêncio, em cada cumprimento,
em que, distraído, pinto de outras cores a mesma foto....

A cidade é meu coração, e pulsa.
Independente da minha vontade, se ilumina,
se transfigura em formas que, à retina,
são ao mesmo tempo maravilha e expressão convulsa.
Sou a cidade porque não a percebo,
porque a construo em meu olhar
enquanto dela bebo, porque nela me concebo
como micróbio, num opróbrio a me auto-difamar....
Sou minha janela de subúrbio aberta,
ao longe, vendo sem ser vista,
enquanto meu olhar de cidade conquista
a novidade da constelação que a mim desperta...
Sou numeronada, estatisticalgum, mas sou cidade,
e nunca mais me sou quando salto da janela suburbana
e caio no asfalto da ruína humana,
enquanto minha alma ensina à mente o que é de fato liberdade...

AINDA DORMEM

Há no sono dos que ainda dormem
a imagem de si mesmos existindo,
contendo a existência e insistindo
nos retratos estáticos que ainda dormem...
Há no sonho dos que ainda dormem
o surrealismo da verdade absoluta
compreendida na vontade resoluta
de sonâmbulas quimeras que ainda dormem....
Há nos olhos dos que ainda dormem
a impressão marcada na retina
de que há algo que de fato aglutina
cadáveres de símbolos que ainda dormem.
Há na alma dos que ainda dormem
a asa imperfeita que voa desgovernada
sobre a terra-de-ninguém enevoada
das teorias cerebrais que ainda dormem.
Há no tempo dos que ainda dormem
a retilínea ilusão de continuidade
circulando em torno à multiplicidade
dos segundos dos relógios que ainda dormem.
Há nos homens que ainda dormem
a percepção de tempo, alma, sonho, sono
descrevendo a poesia do abandono
em versos que ainda dormem...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

PESSOANA

Eu e mim, traduzidos no nada,
tudo foram, embora ausentes.
Dialéticos, foram veementes
em manifestar a mesma jornada...
Daquilo que abstraio enquanto inexisto
resultam apenas símbolos sem tradução,
arquétipos infindos da intuição
que brota do não-visto....
É como se o que sou desfosse
somente quando desacreditasse eu
no que em mim transparentemente resplandeceu,
como se existisse, embora nada fosse...
E no momento exato e concreto
em que a poesia demonstra sua inútil realeza,
concluo, para inversão de minha tristeza,
que, em todos os sentidos, Pessoa estava certo...