sábado, 7 de dezembro de 2013

MEIO

O apartamento sussurra
através de seus canos,
a insônia insana me alegra
enquanto leio desesperadamente
e por obrigação.
O zumbido do transformador
que pende do poste
é uma sonata eletroacústica
aplaudida pela lascívia
das cigarras,
e eu, a invejá-las,
fumo um cigarro
e me transbordo em névoa
a ler o dito livro técnico
para trocar seu conteúdo
por outros papéis.
O sussurro do apartamento
me confia um absurdo segredo:
pouco importam amor e ódio
dirigidos à inutilidade das coisas.
Escrevo, leio, escrevo, leio...
no fim
sou só
meio...

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

MANIFESTO URBANO

Metade dos pássaros da cidade
são pombas.
Em seus cantos mendigos
a raiva espreita
esperta,
tange com o bico
migalhas alheias,
pisa em tocos de cigarro
com seu único pé
e caga na cabeça
de seus benfeitores.

E temos que crer
que nelas reside
o Espírito Santo...

COLAR DE PRESUNTO

Pedaços de carne
entre os dentes
entre as vistas
sob os pés.

Embutidos,
a carne dentro
da carne...

Alongam-se yogues,
batem-se bifes
para manter bofes cheios
e manter viva a carne.

Padres erguem carnes
feitas de trigo
a continuar uma milenar antropofagia.

Mulher e homem
são embutidos
a gerar carne.

Tudo é carne.

No museu, um porco empalhado
ostenta
um colar de presunto.

Arte?

Tudo é carne
por toda a parte.

Parto.

A tudo descarto
em prol da fome
de carnes subterrâneas.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

HINO A UM NOVO SÉCULO IGUAL

O caos
cai
sobre a pretensa organização
binária
dos bits.
O óbvio aos poucos
massacra as metáforas
(que agonizam na mente dos velhos
e, com eles, contrairão
núpcias além-túmulo.)
A superpopulação do infrapensamento
apaga do livro do homem
o Verbo e suas derivações,
fazendo da língua que resta
uma ogiva de sentidos
que cada vez menos significam.
O atestado de óbito da Arte
jaz enterrado na mente.
Nasce um novo século igual...
igual por amar a crise,
por fomentar a ruptura,
por expor novamente
o indivíduo ao seu próprio vazio
vendendo-o embalado
em sacos de plástico
de cores vibrantes
e biodegradáveis.
Nada de novo tempo!
Esqueçamos por ora
a Era de Aquário
que nos legaram os hippies.
O tempo não existe
como tudo o que é relativo.
Eu existo,
e quando o percebo,
me plenifico
e amo o absurdo
que são as horas,
enquanto a informação perpassa
os ares entre a terra
e os satélites,
apesar das sombras
do lixo espacial
a expor as sobras
do sagrado estado interior,
ora vendido nas fotos
das redes antissociais,
nas opiniões anônimas e desimportantes
de quem ecoa frases entre aspas
sem sequer saber mentir...
Na África, a fome é o marketing,
é o lucro hollywoodiano,
é o desvio de diamantes,
o entorpecimento dos sentidos,
é a infinidade de cultos deturpados
(tendo um Egito ao norte),
é o habitual desespero
da guerrilha
abaixo do sol.
Na América Latina
regozija-se a preguiça
com seu uniforme de trabalhador,
o pseudocomunismo,
a ausência de princípios,
o sexo e sua indústria,
o catolicismo fadado ao fracasso
pelos corpos vivos e inertes
de quem mente uma simplicidade
que não quer ter em si.
Na Europa
a podridão soberba
e determinista
de um povo bárbaro
e imoral
que mantém em suas construções
pedras angulares feitas
do ouro alheio,
a racionalidade pouco inteligente
e o medo do gesto, o medo do toque,
o medo de que se descubra a sujeira
de sua pele,
defendido com o argumento
da pretensa sujeira alheia.
Na América do Norte
a mentira da liberdade
pretende o controle de tudo,
gananciosamente vendendo
as vidas dos próprios americanos
por petróleo árabe, por urânio enriquecido,
por informações vis de incautos internautas;
a degradação de si mesmo
e o orgulho
de uma sombra
de um tempo anterior
que não existe
copulam com o caos que ainda cai...
Na Ásia, o inútil viés exotérico
vende nadas pelo mundo
enquanto se escravizam bilhões
por novos emaranhados
de fios elétricos mais sutis,
enquanto à deriva
dormem em gavetas
indivíduos austeros
e seus videogames
a parodiar a realidade...
Na Oceania
um resquício lemuriano
ainda finge que não existe
até que brevemente
 submergirá
sob o Oceano Pacífico,
esporte radical velado
por motivos ainda ocultos...
Me vejo sentado em uma pedra
(devo perguntar novamente
se a pedra sou eu?)
enquanto leio e assisto às notícias
que me conduzem ao medo do mundo.
Sou indiferente à crise econômica,
às questões políticas,
ao apocalipse pregado
pela televisão
em programas madrugueiros,
às teorias da conspiração
que conspiram em favor
da destruição de significados profundos
de infinitos símbolos de autor anônimo...
Músicas de sucesso
me enervam
nos Domingos cada vez mais inúteis
(o que se fez dos Sabbaths?),
enquanto os filósofos atuais
ainda se importam
em chamar de pós-moderna
essa atitude estática
em que me enquadro,
paródia perfeita
da maravilha de Basquiat,
da turba infernal das linhas
descontínuas
que são meu horizonte.
Leminskis e Shakespeares
são minhas noites ébrias
em que me expulso
para que o tempo passe,
ainda que não exista,
pois não faz diferença alguma.
Cães latem em minha madrugada
suburbana
humana
vazia,
enquanto passa o caminhão de lixo
que aos poucos acumula
o resto do consumo
em pilhas de venenos aterradas
em espaços abertos para todos verem,
para todos cheirarem
e apodrecerem gradativamente.
O caos que cai
assassina a beleza
com um beijo
enquanto minha inutilidade
me mantém deitado
pensando no fio de Ariane,
novelo impossível
e belo
tecido por parcas cegas
a formar mosaicos
anacrônicos.
O Cristo ri da minha cara
com razão
por detrás da redoma da noite.
A Lua crescente
mostra-me Seus dentes
como uma lente diminutiva.
O mundo trafega
e o novo século velho
novamente se apega
ao ego,
enquanto eu o reflito,
o imito,
tão filho que sou
dessa sequência de dias
a que se atribuíram números,
tão pai que sou
da velharia nua que produzirei
e vestirei com as roupas sintéticas
das palavras que manipulo,
tão espírito que sou
desta pedra que circunda o astro-rei
sem saber
até quando...

O zero e o um
são a nova
bomba atômica.
Que explodam.
Há de restar o nada.
A face de Deus,
como a de seu filho,

enfim, dando risada.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A

O alfabeto
inicia-se
na negação.

A letra primeira
contradiz
conjuntos ulteriores
de verdades.

Acreditar
é nunca dar crédito,
Amor
é o que é menor
entre os menores,
Aula
são todas as baías
piscinares
em que ondas não quebram,
Avisar
é não pretender
nada,
Acordar
é desamarrar-se...

Ao fim
de uma oração
ao pai
me sinto
Amen



sexta-feira, 19 de julho de 2013

SOU(L)

Nada do que me vaza
me esvazia.
Os conteúdos que contenho
são para ser
deitados fora,
bebidos pelo vazio
de quem há de vazar
de si
a esvaziar-me
para que eu seja
pleno.
A temperança
salta
do tarô
e me envasa.
A água que sou
se enviesa
quando sou
o que soul.


sexta-feira, 5 de julho de 2013

POUCO

Não quero passos.
Passos passam e são 
pouco...
Não quero vozes:
signos atrozes
que são pouco.
Não quero pensamentos,
essas vozes e passos dentro
que são pouco...
Não quero sentidos,
pensamentos do corpo
que são pouco...
Não quero o domínio
dos passos-pensamento
e das vozes-sentido
esses estigmas da libido
que é tão pouco...
Não quero o Universo,
libido de Deus
a criar nebulosas
a partir do oco
que ainda é pouco...

para sempre
humano

sapiente de ser sapiente
de ser sapiente pouco
e infinitamente

sob minha
lente

nada me é 
suficiente.


terça-feira, 2 de julho de 2013

SINARTIFÍCIO

A SINA DAS SINAPSES
É A DE SER UM SENTIDO
SIBILINO E SIBILANTE:
UM DRAGÃO A TRAGAR
O VAZIO JÁ DERRETIDO
PELO SEU HÁLITO
E DIVIDIDO PELA BIFURCAÇÃO
DE SUA LÍNGUA;
UM MEGÁLITO 
A FAZER SOMBRA 
NO CÍRCULO DE STONEHENGE,
INCOLUMEMENTE IMPOTENTE
EM SUA FÁLICA FALÊNCIA...

A SINA DAS SINAPSES
É SER MINHA SINOPSE
E MEU HINO HIPNOPÉDICO,
CONTRAMANTRA ANTIVÉDICO
DE MINHA ÓBVIA REALIDADE.

A SINA DAS SINAPSES
É A DE SER SEMPRE
UM COFRE ...
A SINA DAS SINAPSES
É A DE SOFRER POR MIM
O QUE NÃO SOU EU
QUEM SOFRE.


quarta-feira, 26 de junho de 2013

LIVRO VERMELHO

De repente o Livro Vermelho
me deu uma alma
que falava comigo.
Me deu um signo
diferente da cor
e da sua primeiridade.
Tudo era a claridade
da turba semântica
a produzir energias
circulares.

Fecho os olhos.
Adham foi o primeiro homem.
Seu nome significa "vermelho".

quinta-feira, 16 de maio de 2013

POR VIR ES e PONTILHISMO

Os postes mantém a postura
a observar os mosaicos que a chuva manipula.
Curvados como quem busca o detalhe,
tornam-se spotlights de um show sem business,
transformando um pontilhismo primitivo
em constelações orbitando no solo,
solares a ponto de curvar os postes
e as costas dos passantes
com sua gravidade...

Quantas vezes pode a chuva
desenhar a minha expressão na rua
despercebidamente
e murmurar aos meus ouvidos o óbvio
em sua língua de ruído branco?
Em meus olhos, óculos molhados
sob um guarda-chuva vacilante.
Aos meus pés, todos os livros já escritos
e porvires ainda premeditados
em menos de meio instante...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

"LA MER"

Escuto Debussy enquanto penso.
"La mer" ecoa em minha sala,
na câmara de ressonância que é minha cabeça
e nas paredes do vizinho iletrado que detesta Debussy...
Não escuto o mar,
só sons,
e eles não me dizem nada,
não me fazem confidências,
não me xingam, não me chamam para jantar,
não me beijam nem me repugnam...
São capazes de arrepiar,
por isso são mais epiteliais do que auditivos,
ao contrário do mar,
que não seria nada sem som.

Está escuro, e nada do que imagino
é provocado pelo que ouço,
mas pelos sentidos embotados
e pela mente que tenta significar
a primitividade do som da orquestra
como se segurasse o mar com os olhos
e quisesse que este não lhe fugisse.

A música não diz.

Nunca.

Ela é antes de ser sentido,
ou nunca foi...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

ZOMBIE, WALK

De novo carnaval, Curitiba é morta.
De sua cruel alegoria
renasce a vampiresca sinestesia
de um bruxo carnaval pulsando em sua aorta.
Curitiba é coração, ainda que mastigado
pelos milhares de zumbis que dela brotam.
É a distensão do músculo vital embriagado
pelo sangue feito de mel que os jovens comportam
em suas bocas pseudo-cruéis que gargalham
da própria morbidez.,
intensificada na mentirosa tez
em que parâmetros se retalham.

És Brasil e não sabes,
Curitiba dos remanescentes
que abre as portas da loucura
durante o show de estrelas decadentes,
rockeando a expressão de alegria
ao tornar-te, inteira, a fantasia
em que explodes, coração que és
por um amor invertido ao carnaval.
Sem viés,
perenal...

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

RISADA



Morte súbita, frágil
fronteira entre estados.
Escape ágil,
contraste entre nadas
violados
pelo limite da vista.
Soluto do tempo,
sem microscópio
é mudança,
é vida, portanto,
pois somente a morte não muda.

Clarificada a vista,
ilimitando a matéria
em cima é embaixo
e meu cadáver
é o que me faz sentir vivo.
Por isso sei que hei de rir
mesmo fora dele
quando me ver rindo pra mim
daqui a mil anos,
em volta dos narcisos...

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A POESIA DESPIDA III


Meus signos dançam,
meu sentido segue,
meus neurônios cansam

Ainda que se pregue

a verdade na parede
ela baila como signo
de algo incerto sempre...

Minha voz desenha

o que minha letra soa,
e chama de poema,
fazendo dessa inerte arte
um obscuro diadema
coroando cada parte
dessa rima à toa 
que me resenha.

A poesia mente

porque veste
com sua face risonha
o lugar agreste
da palavra...

e quando despe

o desespero cru
de existir falando,
é ela que se torna nua,
caveira que sugere o humano..

domingo, 9 de dezembro de 2012

ORAÇÃO

Falam-me continuamente sobre Deus,
querendo que eu creia Nele
como creio em minha pele,
em meus olhos ou qualquer dos versos meus.
Dizem que Cristo me salvou,
que há de se atingir o nirvana,
que há em toda existência humana
algo que d'Ele emanou.
Creem que preciso de oração,
que preciso de luminosidade,
que conto com a proteção 
de Sua divindade.

Fico em silêncio, mas não medito,
sigo simplesmente,
enquanto em minha pele sinto
minha interna comunicação,
enquanto meu ato é minha oração,
enquanto o nirvana é constante,
desde que, obviamente,
meu silêncio se levante
para que eu me oriente.

A voz de meus irmãos
se perde no eco de seu passado
até morrer na era medieval...