sexta-feira, 19 de março de 2010

FRONTE

Na fronte do dia um confronto direto
com a noite que subsidia o existir sobre o teto
negro da noite que me afaga,
me sustenta e me apaga.
Na fonte do ócio se bebe o vício
sob a forma do auto-sacrifício,
enquanto os santos virtuosos
dormem a noite em círculos luminosos.
Surpreendo o concreto do chão
forrado de negro e de não,
dizendo-me enfim que o ardor
que me move é sem cor.
Convenço o concreto constante
que sua natureza é de chão
pra que cada cansado passante
passe por ele, então.
O concreto que não sonha, mas fala,
me conta que pelo sonho resvala
e volta pro seu negro não ,
desacreditando a visão
de que o sonho em concreto
ainda existe em discreto
em resistência ao bordão
da falta do concreto de visão.
Piso pois, sobre o concreto
que me conduz e limita o caminho,
e eis que sigo sozinho
em direção à minha fronte, confronto direto.

A rua é espelho de mim, que espelho
o lugar de onde vim, que espelha
o concreto real e eterno do velho
que mais novo sempre existiu,
é o todo... e sumiu

terça-feira, 9 de março de 2010

PENSATIVO

A grande cidade se engrandece e se ausenta
quando sumo por suas vielas,
na quase noite que se apresenta
na luz indecisa das janelas.
Nos rostos de cada passante
o reflexo da vida que passou
se faz presente, falante,
enquanto observo parado o que não sou...
Conscientes de sua ciência,
passam os cérebros inconscientes
de si, reticentes como a demência,
com suas frases veementes,
com seus olhares descrentes,
seus viveres inconstantes...
Seus fardos importantes
são pesos inúteis e evidentes.

Observo apenas o que dentro vejo
e externamente projeto.
De tudo, o único saber concreto
é que observo o que sou e não o que desejo.
Enquanto não desperto
os passantes que adormecem,
meus anseios se arrefecem,
mortos por um ego encoberto.
Sou cada passante, inconstante,
evidente, pesadamente inconsciente
da reticente falta de ser vivente
e pensativo, ao invés de pensante.

quinta-feira, 4 de março de 2010

TOTEM

Em minha parca idéia de subexistir
em torno a todo o lixo de mim mesmo,
me entrego ao desinsistir,
negando e fugindo a esmo...
Minha poesia tem sido ridícula,
minha vontade é minada
por uma vaidade contaminada
em que a razão especula
se existe como meio ou como fim.

Sinto no peito uma explosão
que contenho como quem nega
um crime, como quem não se entrega.
De poeta só tenho a intenção
nesta época de hoje em que a escrotice
é maior do que a alma, e a idiotice
é atribuir ao escroto a razão.
Me perco e não me encontro
em nada e em lugar nenhum,
e aquele sentimento de que tudo é Um
se perde em meu próprio desencontro.

Seguro um grito, uma expressão, um gesto,
com a força de quem domina um titã
não me sou mais, sou escrita vã,
sou exatamente tudo o que contesto.
Talvez no fundo acredite
que Deus haverá de me salvar
pra que eu possa enfim cantar
pra alguma platéia que me credite.
Meu ego é cretino, certamente
mais do que o maior demente,
menos do que o menor inconsciente
e não me leva a nada pensar,
e meu agir é apenas divagar sobre o nada
que não se viu e o todo que não experimentei.

Com o tempo vou crendo que me detesto
e faço a mim mesmo um protesto:
Volta talvez pro teu sono infértil
de quem se julga grande e seja feliz
com a beleza da ponta de teu nariz.
Se esqueça dos sonhos que se erguem
sobre totens majestosos e se perdem
num simples resvalar em sua base...
Não seja o totem que sustenta
sonho outro de alguem qualquer,
pois uma hora o peito arrebenta,
uma hora arrebentar ele quer....
Te encontre e basta que isso te baste
não se impressione com o embate,
não tema a desilusão
não fale mais que a ação,
não sejas o que estás,
seu covarde!!!!!

segunda-feira, 1 de março de 2010

do Leste

O começo da noite em seu despertar
sugere a iluminação do interno, a buscar.
A linguagem de cada noturna visão é lembrar
a qualquer indivíduo que há luz em certo lugar
e que mesmo longínqua, inalcançável
se faz visível mesmo que tenha deixado de ser...



Cada ser vivo que vaga sob a Lua,
pela estrada errante da noite nua
se reconhece pelo andar atento
e pelo verbo lento
de quem não tem pressa de que a noite acabe.
A noite é um ente vivo, que ensina e subverte,
vive e morre ao passo que se inverte
em sua própria natureza, a de inversão de algo,
cumprindo ao papel que lhe cabe.



Na noite em que descansam os corações cansados,
brotam de cada viela as incertezas e as dores,
os amores escondidos, as flores dos velados,
a visão do que a luz do sol esconde, os clamores,
as rezas aos santos, a magia noturna, os nascimentos,
os suicídios, os entendimentos e os entediamentos
do ego que se ilumina para que sobreviva sem a luz
que os olhos enxergam. Se há vinho, houve a água
que o mar movimenta nos olhos que se cansam
de ver o que não lhes conduz ao sentido vertical de ser.



Enfim, quando do Leste surge aos olhos a chama
da vida que chama, dá-se as costas aos pontos
distantes de luminosidade, e aprende aquele que ama
que a luz mais próxima não gera confrontos,
o Sol não se explica quando nasce, ilumina
a lágrima dos olhos, na menina,
e ensina o noturno e o poeta
a ver seu próprio sono,
fútil abandono...

A noite
se faz dia
somente quando o dia
nunca mais for noite,