quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

TEATRO

A velha máscara na roda dos porvires
transfigurou-se em pele, em carne, em sangue,
enquanto o átimo dos existires
se tornou, inversamente, exangue...
Palcos e luzes a todo momento
recriam a velha peça interpretada
pelo âmago do tormento
de ver a própria cena descartada
por um rol de maus atores (bons mentirosos),
que deixam de representar a excelência
e gorjeiam aos ouvidos os monólogos lodosos
sob os quais se articula a trama da demência...

Na coxia o personagem principal socorre
a doce bailarina e o palhaço que adoecem,
pois nela aos poucos o brilho do mover-se morre,
e nele a boca que de si sorria se enrijece...
No último momento, fim do último ato,
a alma que dança arrebata ao próprio templo que sorri,
e com a força das mil cortinas que em mim corri,
demole o anti-teatro, recriando o anfiteatro num existir imediato....

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

INFÉRTIL

Submergi na tela que pintei
quando o quadro em branco emitiu sua súplica...
Esdrúxula foi a rima da réplica
da poesia que reinventei...
Escritos, os ditos são diques
para um oceano de sentido
que inundaria cada instante vivido
em ti lendo, com a esperança de que te versifiques...

Da tela sem ismos do quadro e da lógica,
palavras berram sem a coroa de serem objeto,
tornadas apenas leve referência pelo pronome do caso reto
que as profere proliferando a inversão da experiência anagógica
de fazer do signo a catarse, e, do concreto, o resíduo direto
daquilo que sempre foi, ainda que só no tempo não haja,
ainda que aja somente como o bote da naja
após o aparente momento de estagnação semiológica....

Surrealista, talvez, o poema se contradiz...
o quadro, sem ismos, some.
Aos olhos o que se apresenta é o que condiz
com o que se enquadra em algum nome...

... enquanto o não-dito rompe o dique no rito
de fertilizar a terra com a destruição do que foi infértil....

terça-feira, 8 de novembro de 2011

IRÔNICO

Quis ser irônico, mas não consegui...
A ironia como arma necessita que o receptor
compreenda o tiro e reconheça a dor
de ser vencido pela genialidade monumental que ergui...
Vaguei pela retórica, cuspi na dialética,
torci a ideologia e, no entanto, meu sadismo permitido
se viu antitético em relação a si mesmo e, comedido,
se rendeu à incompreensão do outro, cega e epiléptica....
Quis então explicar-lhe como tão brilhantemente o venci
e, após tempos perdidos de lógica inabalável, o convenci...
Foi quando mim mesmo decepcionei, ao ver o quanto me assemelho
á imagem de meu receptor, dentro do espelho....

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

CLÍMAX

Equilibram-se estações sobre a corda bamba dos meses,
enquanto a corda dos relógios trabalha
recriando o esplendor e a mortalha
em seu ciclo de infinitas vezes....
Dançam os momentos, ainda que petrificados,
em torno a um Todo ainda não visto,
que em mim vive, mas do qual disto,
por ainda não ver o quanto os passos são santificados...
"Ora e labora", me disseram, e eis que o faço,
muito embora, ainda trôpego, meu verbo seja o descompasso
da hora que perdi para que me ganhasse, em que refaço
o deslindar-se do momento em que não sou espaço...
Há então a valsa ternária em que sou solo,
enquanto no ar dois tempos se libertam,
o de mim enquanto tempo, que aos poucos assolo,
e o de mim enquanto a música que os anjos concertam...
E no momento exato que de qualquer momento dista
surge minha ansiada inexistência plena,
à qual me entrego como clímax da última cena
na qual me engole a alma que a si mesma conquista...

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

KAHUNA II

Idéia é onde o Id ia
manifestar o que o Ego ainda sem Sol decantaria
sobre um heróico Superego vigilante,
retendo e traduzindo as impressões a cada instante...
Há contudo um Self já voltando
do destino ao qual o Id ainda ia,
passado, ainda que futuro, da anti-heresia
que o Ego ainda está codificando...

Madrugada foi início e fim de dia.
Cogitou o Ego ver a si, ainda cego,
rumou o Id em direção ao Superego
e, invertidos, escureceram a Lua arredia...

Manhã foi prima luz, etérea linha
em que horizontal brilho foi dourado,
embora nossa tríade ainda tivesse o olho tampado,
sem compreender a verdade que com o astro-rei vinha...

Ao meio-dia a luz domou a sombra,
que, sob os pés foi inofensiva pintura
se comparada com as cores da tintura
com a qual o Ego enfim se livrou do que o assombra...

Foi tarde, e, ao fim dela, novo ouro
se espalhou sobre a compreensão da alma
da retina que o Id tornou calma
a enxergar em cada reflexão um tesouro...

Noite nova explicou o que sentia
o Superego ao tentar compreender a Lua,
que, ainda que de pedra cinza, crua,
azuladamente de seus esforços ria...

Por fim, na madrugada que retornava,
os três olhares viram a mesma estrela,
a Vênus, feliz como a chama de uma vela,
que iluminou de beleza o que a madrugada ocultava..

No percurso desse carrossel humano,
destino e não destino se abraçam,
são a onda e a areia quando se estrelaçam
unihipiliando um arrepio aumakuano

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CLIMA DE CURITIBA

Sorrio sentado na calçada,
vejo apenas andares sem rosto,
trafegando pelo caminho disposto
entre o que está e não está em minha alçada...
Há em mim a dispersão leve de quem se permite esquecer
que, além do café, existe algo mais cá no centro,
há um claro instante de se auto-recolher
do âmago dos próprios pés e voltar-se para dentro...
É quase chuva, mas nessa cidade não se chora,
resmunga-se como os trovões que ouvi naqule outrora,
há menos de cinco minutos, anunciando falsamente
o contratempo da água caindo levemente
naquilo que foi o lado de fora....
Vejo então um Sol entre a massa pesada
e branca que paira no céu, sorrindo de minha cara,
sabendo que à minha previsibilidade confrontara
com sua luz remodelada....

É quando levanto e resolvo, de uma vez por todas,
que não trarei mais guarda-chuvas, para perdê-los,
mas andarei nu, e, sobre os cabelos,
meu chapéu que se vire pra que eu sobreviva....

NOME

Se fosse liberto do nome em que estou,
resplandeceria o nome que sou,
enquanto da linguagem se utilizaria o que restou
para livrar também meu próximo do não-mundo que se adensou...

Seria a voz então novelo luminoso
deixando claro o retorno ao princípio
ao lado de fora do labirinto cavernoso.
Da boca, criar-se-iam verbos apenas no particípio....

Feita a luz, despida e redespida a poesia,
a criação ressurreta desencarnaria,
Adão enfim reencontraria Sofia e reproduziria
apenas a unidade da plena sinestesia...
No momento em que o nome emanado
crie de fato o fundamento iluminado
em uma manifestação já não vazia...

terça-feira, 27 de setembro de 2011

CORSÁRIO

Escrevo, me atenho, me retenho, e me lanço...
Descrevo, gesticulo, me contenho, danço,
e enquanto as vírgulas aos verbos enumeram,
as ações já se decompuseram...
Enquanto meus olhos saltados flutuaram na lunaridade
eclipsada de uma razão vadia,
meus braços desabraçaram o dia
e tolheram seu próprio artesanato com a inutilidade.
Falo, ando, penso e repenso, me anulo...
construo edifícios com água
enquanto meu olho deságua
a maré do artifício nulo...
Reticencio e espero as respostas
como se viessem da luz da rua,
enquanto a retina, ainda crua,
retalha as imagens em postas....
Há liberdade somente quando no armário,
com as portas trancadas e velas acesas,
traduzo imagens em palavras coesas
roubadas de mim mesmo, eterno corsário....

sábado, 17 de setembro de 2011

O VELHO MITO...

Um homem pisa a fronteira que existe
entre o breu da caverna e a cegueira da luz,
enquanto em seu olho a retina reduz
a tênue contra-luminosidade do olhar que insiste
em cartesianar a realidade...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

É NOITE



É noite, e somente a verdade
pode transcender à vaidade
da nuvem que tapa a lua
com sua cor metálica e crua
como espada de lâmina nua
a dividir em pedaços a cidade....

É noite, voz dita é sussurro,
não hesita, é murro
derrubando o grito
do dia restrito
pelo gesto do dito
que pela goela empurro...

É noite, violentamente escrevo
e provoco o relevo
irrelevante do poema,
coroado pelo diadema
de um irônico dilema...
o que há de luz na palavra que entrevo?

terça-feira, 9 de agosto de 2011

SABRE

Nasceu e, nascido, não-sido estava,
posto que se esquecera da tela
em que se descrevia o mundo que estava,
em que residia o pavio de sua vela...
Cresceu, e crê ter sido semente
quando se viu no momento antes
recriado no que acreditou ser presente.
De grego, sua filosofia; seu inferno, de mil Dantes...
Estilhaçou-se e dividiu os cacos
de seu espelho pela cor que via
em cada pedaço cortante que havia
em seus punhos fechados e fracos...
Falou, e falhou no ditado
lhe atribuíndo importância
maior do que a distância
entre imagem e ser consumado
Negando ao não repentinamente
com a força de uma flor que se abre,
uma vírgula no anti-mantra sorrateiramente
foi nova voz cortando o nada, intangível sabre...


quinta-feira, 28 de julho de 2011

CAPUZ

Brotou como vontade pura a sinergia
que definiu a coesão de tudo o que se esparsa,
esotérica ascensão ausente da farsa
de que tudo é caos, turba, orgia...
No centro de uma gana autofágica
reside o movimento do Universo,
buscando um devorar-se para destilar o inverso
de tudo o que em si mesmo não for pura mágica.
Chiaro-oscuros chovem no infinito
enquanto só há luz e não nos damos conta.
A luminosidade é auto-referencial, pois remonta
à existência de tudo o que existe em mais que eterno rito.
Portanto, àquele que me lê, profiro nadas,
pois somente o nada existe sem a luz,
a palavra é somente um capuz
para as existências evidentes, mas veladas...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

PAÇO DA LIBERDADE

A praça e o paço por onde passam
os pés levianos de meu fim de dia
são a Atlântida além do naufrágio, visão arredia
dos tempos que se embaraçam...
Art-nouveau no centro do concretismo,
deslocada aparição exata ante o cinza
do asfalto que o céu espelha, ranzinza,
escancarada lição do mais puro hermetismo...
Os rostos talhados em pedras na arquitetura
são todos o meu, mas não me vejo
enquanto observo, pequeno, o desejo
de ser o prédio que a vista emoldura...
Enquanto a tarde se reitera e se esvai,
sumo de mim e sou o tempo breve
em que de Atlântida subiu à superfície o espírito leve
que ao homem legou a consciência do que à consciência atrai...
No último segundo de contemplação,
percebo um lampejo de luz arisca
brotando da janela da última elevação
em que, do prédio, Netuno me olha, e pisca...

domingo, 24 de julho de 2011

A POESIA DESPIDA II

Uma fotografia congelada me sorri,
enquanto me desfaço em agoras anteriores.
Sou congeladamente o passado que socorri
e abriguei internamente em desbotadas cores.
Vive ainda o momento em que fui estátua
no retrato que captou minha eternidade.
Me repito intensamente e, em minha fogueira-fátua,
se consome o último ar em que se exalou a novidade...

O solo é pisado por mim, defunto,
para que haja equilíbrio no retorno,
e, após um último alento morno,
a terra pisoteie o que em mim foi desconjunto...
Nesse momento, aos que ficam,
certamente serei mais retrato do que vida,
e enquanto à velha luz os novos velhos edificam
sorrio e sorrirei a poesia, despida....

quinta-feira, 21 de julho de 2011

OLHO

O olho tudo viu em sua perspectiva alta,
do ponto em que sobre a pirâmide flutua...
Aglomerados os sentidos a que a mente se habitua,
enxergou por não se ver no ponto em que a si ressalta...
A esfinge que o guarda, guardou a pergunta
antes que a si mesma devorasse...
calada, retirou-se à porta, astuta
e pediu para que de tempo lhe chamasse...
Vi de fora o outrora Todo
estilhaçado no vermelho da esfera costumeira,
última manifestação da causa primeira,
e quando despertei vi a lótus sobre o lodo...
E o que o olho viu, reunido em seu centro,
acima da esfinge que guardou as horas,
foi a si em minha sina de ver lados e ver foras
sem saber que, acima da pirâmide, há o dentro.

terça-feira, 19 de julho de 2011

O MÁGICO

Suma na antítese, ao largo da inconsciência,

tropece nos ponteiros que o futuro da ampulheta sugere.

Circule todas as concepções quadradas, se esmere

ao fazer brotar sua subconsciência.

Exponha para uma platéia de ninguéns

o resultado de anos em combustão,

do desperdício de alma e dos vinténs,

da inconveniente mental indigestão.

Resplandeça na peça do quebra-cabeça

cuja imagem é mosaico cubista,

e em um poema prosaico e niilista,

reverta o tempo e desaconteça.

Mergulhe na terra, na areia do deserto,

respire o fogo que dali emana,

despindo-se então da roupagem tirana

que não foi você, mas chegou perto.

Reapareça no último segundo

para ser a mão do mágico na cartola,

retirando da tensão a esmola

de ausentar-se, por ora, do mundo...

quinta-feira, 7 de julho de 2011

ESCADA

Nuamente, a nuance de cor camaleônica da Lua
furtou a matiz de um céu essencial, em que repouso....
A partir desse momento, maior do que a palavra que ouso,
o silêncio enxurrou meus olhos com uma transparência unicamente sua...
Eu era a noite e o silêncio, e transbordei a mim.
Vazou inútil semiologia,
vestida cafajestemente de poesia,
vestida de linearidade, de começo, de fim....
A beleza, intangível enteal, iluminava como estrela
longínqua, quiçá inexistente, e minha única intenção, vê-la,
se apagou em minha pálpebra, mas não em minha retina.
É o momento em que a mente desatina....
Perdido em meus significados, encontrei nadas
que de todo se vestiam, como Luas veladas.
Quando me ausentei de toda versificação,
vi espelhos, e, em sua imagem, oração.

Descrevo assim minha queda, adâmico tropeço,
em que caí em mim e não me satisfiz...
Observo agora na lunar luz a escada que refiz
buscando apenas o cair em Si, meu grande recomeço....

terça-feira, 21 de junho de 2011

CIDADE

Assim que se aquietar a maré, dentro,
haverá Copacabana em meio à turba curitibana.
Assim que de fato houver em mim um centro,
caminharei no centro, ausente de minha imagem, insana...
Assimilo o que assino e assinalo, robótico,
enquanto a paisagem em meu plano óptico
é infame espelho a refletir a anti-luz ainda cá dentro,
caverna em que, hipnotizado, entro.
Ao passo que ando o passo some,
não percebo nada além da cegueira
que me conduz à rua dianteira,
repleta dos passados de mim mesmo em cada nome,
em cada faixa, em cada buzina que não noto,
em cada distância, em cada comprimento,
em cada silêncio, em cada cumprimento,
em que, distraído, pinto de outras cores a mesma foto....

A cidade é meu coração, e pulsa.
Independente da minha vontade, se ilumina,
se transfigura em formas que, à retina,
são ao mesmo tempo maravilha e expressão convulsa.
Sou a cidade porque não a percebo,
porque a construo em meu olhar
enquanto dela bebo, porque nela me concebo
como micróbio, num opróbrio a me auto-difamar....
Sou minha janela de subúrbio aberta,
ao longe, vendo sem ser vista,
enquanto meu olhar de cidade conquista
a novidade da constelação que a mim desperta...
Sou numeronada, estatisticalgum, mas sou cidade,
e nunca mais me sou quando salto da janela suburbana
e caio no asfalto da ruína humana,
enquanto minha alma ensina à mente o que é de fato liberdade...

AINDA DORMEM

Há no sono dos que ainda dormem
a imagem de si mesmos existindo,
contendo a existência e insistindo
nos retratos estáticos que ainda dormem...
Há no sonho dos que ainda dormem
o surrealismo da verdade absoluta
compreendida na vontade resoluta
de sonâmbulas quimeras que ainda dormem....
Há nos olhos dos que ainda dormem
a impressão marcada na retina
de que há algo que de fato aglutina
cadáveres de símbolos que ainda dormem.
Há na alma dos que ainda dormem
a asa imperfeita que voa desgovernada
sobre a terra-de-ninguém enevoada
das teorias cerebrais que ainda dormem.
Há no tempo dos que ainda dormem
a retilínea ilusão de continuidade
circulando em torno à multiplicidade
dos segundos dos relógios que ainda dormem.
Há nos homens que ainda dormem
a percepção de tempo, alma, sonho, sono
descrevendo a poesia do abandono
em versos que ainda dormem...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

PESSOANA

Eu e mim, traduzidos no nada,
tudo foram, embora ausentes.
Dialéticos, foram veementes
em manifestar a mesma jornada...
Daquilo que abstraio enquanto inexisto
resultam apenas símbolos sem tradução,
arquétipos infindos da intuição
que brota do não-visto....
É como se o que sou desfosse
somente quando desacreditasse eu
no que em mim transparentemente resplandeceu,
como se existisse, embora nada fosse...
E no momento exato e concreto
em que a poesia demonstra sua inútil realeza,
concluo, para inversão de minha tristeza,
que, em todos os sentidos, Pessoa estava certo...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

CAUSA

Ligeiras, as asas do impossível elevam o nada,
enquanto o mesmo se faz lente de aumento
para um Sol gerando a luz, rebento
único, causa gerando causa em si mesma eternizada.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Dissonância

Triádico, o acorde se mensura em seu contexto,
sua função estabelecida pelo antes e o após,
sua direção perfeita é a cadência plagal e os nós
de sua junção com algum pretexto...
Três acordes impusionam o meu canto
simples "pai-filho-espírito-santo",
arquétipo geral de vibração etérea,
cuja tônica é a dominante da matéria...
De três partes se compõe a forma
que se reitera eternamente em minha mente,
cujo movimento é baile inconseqüente,
é luz que ao som é sombra ou norma...

Sou músico, minha obra divido
com o compositor ininteligível
que despeja em algo como o ouvido
essência a mim mesmo inatingível...
Enquanto brevemente a consonância
agrada a matéria de intelectual deleite,
a alma vibra única pedindo o enfeite
do cluster do Universo, essencial dissonância.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

CONTEMPLAR

Avaro, o contemplar em si mesmo se perde
enquanto das pedras da calçada brota um poema
difusamente, aos poucos espalhado pela sola blasfema
de quem passa o pisando, sem ter quem o herde.
Há em tudo um nexo de existir
proveniente da mesma oculta fonte,
ainda que a multidão da divisão aponte
o motivo e sentido contrários do velho elixir.
Cada pedra da calçada se faz mais filosofal
do que a filosofia distribuída avidamente
pelo puro se esganiçar da mente,
ausente de sua linguagem essencial;
é necessário contemplar libertamente
o quão pétrea é nossa estática visão,
para que se extinga a perene ilusão
de nosso conjecturar aparente...

Desse modo é possível que se enxergue
que o mundo eternamente pulsa,
e, independente de toda a multidão convulsa,
seu pulso não há quem postergue.
Pode-se chegar então ao momento
em que pedra, contemplação e pensamento
se chamem poema, luz, compreensão,
enquanto o dourado do Sol coroa a intuição.

terça-feira, 10 de maio de 2011

EVOÉ

Guarda a cruz que a manhã representa,
joga-te por sobre as fronteiras,
esquece o tempo que venta
adiante as palavras primeiras...
Cresce por sobre a infimidade
do deteriorar da rosa,
para que floresça tua humanidade
mesmo na secura, arenosa...
Navega com as velas acesas,
voa pelos olhos claros do mar
com asas transparentes, coesas,
porém livres como o próprio ar...
Fala às línguas todas o gosto
de ser engolido, de se fazer vomitar,
de ser morte para eternizar
tua identidade sem rosto...
Desenha na praia teu poema
quando o vulcão em erupção
for a própria convicção
da ausência de dilema...
Desliga a lâmpada elétrica
que choca a noturna beleza,
despreza a áurea tétrica
da artificial estética e sua avareza.
Desiluda a paixão avessa,
que é da morte a irmã morta,
com a pisada um tanto travessa
na armadilha que ao caçador corta.
Signifique apenas o que já não é,
as cores e formas dançando no fogo,
para que da vida ocorra o desafogo
na chama do vinho na taça, do grito primeiro... evoé!!!!!!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

ENFIM CONCRETO

Da vista que planou sobre o urbano complexo,
escorreu líquida solidão, silêncio exato, vivo.
Abandonado do ego o lado lascivo,
brotou a busca de um sonhado nexo
entre a projeção de porvires, torrencial,
e a concretude da verdade que se reconstrói
a cada retorno do ciclo, cronofágico, canibal
de si mesmo em sua doçura que corrói...
A cidade abaixo dos olhos fingia a morte
enquanto suas lâmpadas de artificial luz
serviam aos olhos como o capuz
a esconder a interna visão do quanto foi corte
a discrepância entre aindas e agoras
construídos, ambos, no decorrer das horas
em que, de fato, pouco se fez e nada existiu.
Houve então a imagem do que se retraiu
estampada na face da noite, na forma de chuva
esperando a própria queda, nuvem fadada
a ser ciclo, retorno em sua essência desvendada
pela vista que a si mesma turva
a planar sobre a pétrea curva
do tempo da cidade, chovendo cansada
o esplendor da ilusão abortada...

sábado, 30 de abril de 2011

CALAR

Calar é a maior expressão da linguagem.
É se ausentar da mentirosa miragem
de que de fato com vento e tinta se diz
algo que pertina, esse desenho de giz
ainda primário, frágil imagem embaçada
pela turba que o cérebro provoca
e a emoção convoca.

A palavra é simples sombra lançada,
líquida em sua inútil forma,
tosca comparação que deforma
a realidade da expressão pura.
É antítese da linguagem,
síntese do atraso humano,
prisioneira do esgar craniano
da condição nossa de criatura
criando seu mundo de nadas...
Calar
      é
        aprofundar
              a      fala
                        como escada
                               que desce
                                        ao profundo silêncio
                                                         que exala
                                                                    da Linguagem.

terça-feira, 26 de abril de 2011

MAJESTADE

Quis por um momento o querer de fato
e se lançou como de pára-quedas
à linguagem do puro abstrato,
curado de ser as próprias emendas.
Voltou-se para o firmamento
e para lá caiu, real,
trocando o abismal
momento de ser momento
pela suave distinção de ser coisa alguma
e planar sob a cabeça do rebento
do Universo, velhote que ao próprio fim consuma...

Quis o instante sem instante
de se saber a própria nudez
ausente do pudor delirante,
transfigurada em ouro sua tez.
Da vontade foi imagem, e se fez
explosão de galáxias, enormidade.
Satisfeito, de pronto se desfez,
provando enfim o Ser; majestade...

sábado, 23 de abril de 2011

ALTURAS

Sim, foi pouco a mais do que leve
expressão do íntimo, foi ínfimo o eu
quando vi o abismo que em mim morreu
percorrendo o anti-abismo que descreve
o exato sentido da plenitude.
Assombrosa foi a visão de que o mundo
é assim tão nada, amorfo em sua inquietude
vista à distância, neófito senhor de suas próprias sendas....

Foi pouco mais que desapego
mútuo entre homem e montanha,
pedras ambos, de identificação tamanha
que em seu diálogo há o puro aconchego,
disfarçado pelas pétreas formas

leves como o nada puro,
que em ambos mascaram almas
ausentes da ausência do escuro.....

Foi liberta a visão a notar
que há sempre um novo pico,
acima do que versifico...
há sempre o caminho a galgar
acima, avante e adentro,
e, no alto centro,
única realidade a se auto-escalar...

terça-feira, 19 de abril de 2011

DEPOIS

Gera-se do acúmulo das visões
o cadeidoscópio que define o lógico.
Figuram por dentro do imagético
os nuances e as impressões
que desfiguram a concretude
de um alento além da cor
que se percebe no dissabor
de se notar imagem da vicissitude.

Há na perfeição a ausência
de tudo o que não a seja,
para que a si mesma veja
e se reflita, resplandecência.
Sábia suprema em sua imagem,
não refuta o caleidoscopiar
das mentes a rodopiar
em torno de sua ausente personagem.

Sabe que, das cores do alento que exala,
a branca matiz de sua máscara nenhuma
se faz reunião de seus olhares, pluma
com a qual o nada o nome assinala.
Expulsas as visões acumuladas, pois,
encontra-se um nome registrado
em linguagem sem passado,
perene reviver da experiência do depois.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

SÍMBOLOS

Símbolos se movem, continuamente,
e em seu percalço, continua a mente
a devorar a si mesma, qual eternidade
aprisionada pelo mito da vaidade.
Me percebo como símbolo
ao passo que me fragmento,
e, em pedaços, insisto no tormento
até pagar o velho óbolo,
obscuramente retirado da vista.
Inquietamente reduzido
a um panteão de imagens que de mim dista,
me sinto essencialmente um idioma perdido.
Com espanto, noto que produzo
os próprios elementos aos quais me reduzo,
percebendo que, enquanto digo, sumo,
e que a arte é ser de si o resumo... 



Oscilo de uma luz vaga
ao passo que adianto
a reflexão do espanto
com uma vela que se apaga...

terça-feira, 12 de abril de 2011

O INICIADO

O iniciado se arremessou pra fora
do novo círculo instaurado,
qual reincidente iniciante, restaurado,
da própria vida de outrora.
O círculo foi nada, visto então do lugar
Em que o velho lado do iniciado
abriu então sua arca, já cansado,
para o seu próprio novo lado iniciar.
Ausentaram-se arca, espírito e o algo circular
que delimita um existir despido,
e o início, ainda constrangido,
viu a si mesmo tentando retornar...

Foi então múltiplo, indivíduo,
homem-deus em sem-fins de humanos
crendo, cegos, no passar dos anos.
tragando a si mesmos até o último resíduo...

Antes fosse o iniciado um fim,
Deus em si, sem autoconsciência,
homem liberto da própria imagem.
Antes fosse o iniciado o inicial
Maestro da recriação...

quinta-feira, 7 de abril de 2011

REENCARNAÇÕES

Disse, e foi somente...
não houve além, ontem
se foi para onde vêm
todos os lados da mente.

Somente não houve além,
ontem, se foi.
Para onde vão
todos os lados da mente?

Somente disse, e foi...
ontem não houve além,
foi para onde se vão
todos os lados da mente.

E foi, houve além,
para onde os lados,
(todos não!) vêm,
da Mente, disse, somente.

E foi para todos,
os lados da mente
vêm além, somente.
Não disse....

domingo, 3 de abril de 2011

ALGUM

Procuro intensamente um algum-lugar,
pois reconheço em mim a marca desse lugar-algum.
Intenso se faz o vagaroso vagar
em torno de um nada que se fez um.
Formas de algum-sonho difuso no ar
projetam esse sonho-algum em minha pedra angular,
ausência plena de estado retilíneo
cravada no âmago de algum interior declínio.
Escrevo algum-poema cuja rima morta
fertiliza um poema-algum com a própria morte,
hifenizando a dor onde houve corte
do real sentido. Como chave, abrando a porta...
Algum-momento há de surgir no tempo-espaço,
em que momento-algum seja a diferença
entre aquilo que, sendo, foi e será, sem desavença
entre mente, corpo, alma e o sutil traço
em que algum-alguém iniciou sua arquitetura
para que alguém-algum atingisse a sua altura
sendo o algo todo, lançado ao algo Algum...

quarta-feira, 30 de março de 2011

EM MIM

Ilumina a tez de tua face
minha própria incerteza, escancarada.
Tua lógica interna sorri, velada,
do próprio oculto desenlace.
Perdido em meu próprio labirinto,
cujas paredes são teu sorriso,
parto para o ato conciso
de ser meu próprio instinto.
Falo tanto quanto calas,
mas és tu quem ecoa
enquanto a noite coa
minha teia de falas.
Ao enfim em ti poetizar,
minha mente segue viagem,
enquanto em meu olho tua imagem
conjuga o verbo luar.

segunda-feira, 28 de março de 2011

CHAVE

Cérebro, és o Cérbero de meu inferno
quando teu lado Orfeu se ausenta.
Quisera ter uma lira de som terno
para ludibriar tua fome, atenta.
Resgatar-te-ia do reino dos mortos
para que contemplasse os ortos
de dentro de ti mesmo, Universo.
Livrar-te-ia do olhar perverso,
que, ao te retrogradar o passo,
firma a ponta seca do compasso
de teu suicídio orgulhoso,
efeito de descrer em algo mais poderoso
do que a própria idéia de si.

Seríamos então um quadro impressionista
cuja tela se confundiria com seu chassi,
e cujo ponto de fuga de minha vista
seria o ponto alto de tua idéia.
Da justa morte de Medéia
ao último drama wagneriano,
extrairíamos a chave do que é humano,
feita para que se abrissem as portas
de todas as artérias aortas
rumo ao templo que em todos resplandece
como o único altar ao qual a alma desce.



sexta-feira, 25 de março de 2011

HOMO SAPIENS SAPIENS VISIBILIUM

Desenhadas tuas mãos nas cavernas
estavam há milênios quando surgiste,
no entanto hoje é que a linha triste
em tua palma atravanca tuas pernas.
Criação a criar o incrível
e insensível projeto de inexistência,
utilizando a fútil sapiência
daquele que sabe que sabe o visível.
Tens voz, e ela aumenta, em volume,
proporcionalmente inversa à luz.
A palavra é a máscara e o capuz
do que a covardia não assume.

Libertaram-se do acaso as palavras
que ressoaram pelas paredes.
São agora a terra em que lavras,
quadro e moldura do que cedes.
Refugia-se o som de tua voz
no oco de alguém que as retém,
extraíndo da língua, refém,
a persona do próprio algoz.
Delira em si mesma tua fome
de fim, rumo ao total novo fim,
descontínua linha que te descontinua e some,
ansiando o talvez e desprezando o sim...

És em si um anúncio ambulante
do apocalíptico paraíso
situado entre o quase juízo
e a morte do atual instante...



Nihil sub sole novum,
sapienti sat!

segunda-feira, 21 de março de 2011

RESSURRECTO

No espelho, meus olhos refletiam adeuses
com a luz do inexplicável desejo
de transformar o lampejo
em oferenda aos deuses...
Eis que me fui, obliquamente
vagando pelos retos caminhos,
óbvias rotas de andares sozinhos,
trilhados por olhos e pés concomitantemente.
Fui todo calos e pedras, mapas e retorno,
até notar o póstumo nascimento
do antigo e crucial momento
em que olhos no espelho e seus adornos
de luzes, lampejos, adeuses, finados em si próprios,
passageiros como o ópio dos ébrios,
tranformaram em começo o meu enfim chegar.
Refiz o refeito caminho isento da convexão
do espelho de minha parca reflexão,
corrigindo a tortura do tortuoso
e torto chão com um voar virtuoso...

Feliz, encontrei o nada ao pousar.

quarta-feira, 9 de março de 2011

KAHUNA

Tardo o toque do sino do Início,
vi que o fim era meu próprio começo.
Devorei a mim para inventar o avesso
do que em mim foi furor e vício.
Desfeita a treva encerrada na arca
que pulsava ardendo no altar do templo,
conheci a calma do que hoje contemplo,
indescritível chama que me marca.
Ouvi de um mestre que ainda me guia
que sou pra sempre mestre de quem guio,
preso pelo ausente fio esguio
que assegura minha própria trilogia.
Há ainda um resquício de não-ser
em que me perco em um não-eu que atua
em minha mente e desvirtua
os propósitos de conhecer,
porém sei que, vencida essa batalha
entre o não-eu e a existência pura,
haverá a diamantina essência que inaugura
o fio em que é tecida a malha
isenta de conflito
do véu do infinito.

domingo, 6 de março de 2011

MÁSCARA TRANSPARENTE

Carnaval, caíste como uma luva
para minha ausência,
neste dia em que a chuva
é a minha interior aparência.
Exponho minha verdadeira face
somente quando o disfarce
me impede de saber quem sou.
Se sou pirata que naufragou
ou poeta que se escondeu,
apenas mais um copo sabe;
então me sirvam antes que desabe
a água de algum céu que escureceu
cá dentro e se omitiu da fantasia
transformada em batucada,
na euforia desvairada
em que até a rosa cantaria
se não fosse o próprio enredo
da canção reproduzida
por multidões de uns sós sem medo
de entregar-se um dia à vida.

Carnaval, vieste com teu manto
de cor catártica e viva
cuja língua é um esperanto,
universalmente ativa,
ogiva que em meu núcleo se contrai,
explode em sons de tamborins
e reconstrói a cidade em que cai,
minha mente e seus inúteis fins...

para que enfim nasça a quarta-feira,
na qual as cinzas da fantasia derradeira
se convertam na fênix de mim mesmo
a explorar o firmamento que já conhece
desde o dia em que morreu.

quinta-feira, 3 de março de 2011

DE MIM A MIM

Me reconheço na Lua tardia e na madrugada silente,

na fronte da noite aberta como o livro escrito

pela mão invisivel, sempre presente,

no qual leio as frases do que não é dito.

Me disperso no momento em que a alvorada

traz à luz do dia o nada da matéria,

e no esplendor do Sol a luz encantada

e mal interpretada pela miséria....

Sou esfinge, reino de além mar, sou deserto....

sou quem finge a loucura, sou dois milhões....

sou a entrega do insignificante concreto...

sou o de repente atingindo a vida dos cordões

das romarias distantes de dentro de mim ,

buscando a fé ou a muleta....

sou por dentro a vendeta

que a mim mesmo preseva e mata, por fim....

Me reconheço no que não conheço,

e a cada dia me reconheço menos, para deixar de ser

e encontrar o Todo que me cabe...